Entenda a metodologia de trabalho dos profissionais que anteveem futuros possíveis para ajudar as empresas a se preparar para as próximas décadas
Foresight se tornou uma palavra comum nos ambientes corporativos bem-informados sobre as transformações que acontecem e, principalmente, as que estão por acontecer. Para explicar o conceito e sua importância, conversamos com Paulo Robilloti, coordenador do Master em Foresight Estratégico e Design de Futuros da ESPM.
O que é foresight
A palavra inglesa foresight se relaciona com antecipação. “Os profissionais que atuam com essa estratégia buscam antecipar eventos possíveis, os quais, na maioria dos casos, sequer ocorreram no passado”, explica Robilloti.
Por isso, os profissionais de foresight estratégico costumam dizer que trabalham com futuros possíveis, no plural mesmo, já que o futuro por si só não existe. Trata-se de algo que é construído em meio a inúmeras possibilidades, e tudo se pauta de acordo com o futuro desejado.
O que faz um futurista
Esse profissional imagina futuros possíveis, plausíveis, prováveis e preferíveis. Para isso, define um plano de ação com estratégias detalhadas para uma empresa projetar os futuros onde pretende atuar. “Quando se fala em foresight, se fala de um plano de ação corporativa de longo prazo”.
Como o foresight pode ajudar as empresas
Quando uma corporação constrói futuros, na verdade ela se prepara para o que pode vir a acontecer. Fatos marcantes como a queda do Muro de Berlim, o 11 de setembro, a bolha imobiliária de 2008 no EUA, o Brexit, a Covid-19, a guerra na Ucrânia e o desequilíbrio climático são exemplos de como as coisas são voláteis, instáveis e complexas. Mas se uma empresa trabalha com foresight é possível antecipar cenários e se organizar para lidar com eles com criatividade, imaginação e sem tantos entraves.
Segundo Robilloti, a grande vantagem do foresight é o lucro. Corporações que investem nessa estratégia apresentam cerca de 50% de crescimento a mais em comparação com a concorrência, quando ela não trabalha com foresight.
Exemplos do foresight:
Shell
Um case clássico envolve a petroleira britânica Shell, que contratou, no final dos anos 1970, o renomado estrategista Pierre Wack, pioneiro na definição das etapas de planejamento de cenários corporativos, para vislumbrar cenários por conta da crise no Oriente Médio.
Diante da perspectiva de uma alta no preço do petróleo, a Shell passou a explorar o “ouro negro” no Mar do Norte. “Com o foresight estratégico, a empresa soube explorar pioneiramente as oportunidades, comprou diversas reservas petrolíferas e se tornou a terceira maior petroleira do mundo em poucos anos”, explica Robilloti.
Apple
O especialista também cita a Apple. Por meio do foresight, a empresa previu que chegaria a época em que os computadores encolheriam de tamanho e caberiam na mão (smartphone). Pouco tempo depois, seria lançado um equipamento intermediário, hoje conhecido por tablet.
Diferença entre foresight e análise de tendências
“A rigor, os profissionais de foresight olham o mundo 20, 30, 40 anos à frente, enquanto as tendências são trabalhadas em períodos menores, de até 10 anos. Mas a maioria trabalha com 2 anos de previsão no planejamento estratégico”, diz Robilloti, em uma afirmação que distingue foresight estratégico de tendências de mercado — um campo temático no qual os profissionais são segmentados.
Como não diz respeito a uma área específica, o foresight trabalha nos cenários mais diversos, os quais podem fornecer o material necessário para o planejamento e a definição dos rumos da empresa.
Etapas do foresight
Pensar no futuro não é um exercício aleatório. Ao contrário, é necessário seguir uma série de etapas. Confira:
1. Definição do objetivo
O futurista define o que pretende antever e faz questionamentos como, por exemplo:
- É o futuro de algo, ou o futuro em algo?
- Qual o horizonte temporal desse estudo, daqui 30, 40, 50 anos?
- Quem serão os stakeholders?
- Quais os objetivos do estudo?
- Quais perguntas desejam responder?
Uma vez definido o tema (energias renováveis, tecnologia, mudança climática, mercado de trabalho e comportamento do consumidor, entre outros), o passo seguinte é tentar entender o que vem acontecendo e o que está sendo transformado no mundo hoje.
O professor cita o exemplo dos estudantes do Master em Foresight Estratégico da ESPM, que atualmente pesquisam o futuro dos aplicativos de relacionamento, das redes sociais e do consumo de entretenimento audiovisual em 2050.
2. Mapeamento de incertezas
A segunda etapa consiste em realizar pesquisas no mercado de trabalho, de campo e junto a especialistas. As análises com profissionais que são referência na área consistem na aplicação de um método específico. As respostas deles se somam às tendências que estão acontecendo e isso pode resultar em insights para o mapeamento das incertezas do tema escolhido.
3. Construção de cenários
Munido dos insights, o futurista passa a construir cenários, que vão dos menos aos mais prováveis e dos piores aos melhores panoramas. O professor explica que em geral se trabalham com 4 cenários possíveis, no mínimo, porque, quanto maior o horizonte temporal, maior a necessidade desses diversos cenários.
Essa estratégia serve para ampliar o campo de análise e permite perceber padrões – e busca antecipar o que ainda não aconteceu, mas que pode se concretizar. “O que aconteceria no mundo numa guerra entre EUA e China? Quais seriam os impactos globais disso? As perguntas do profissional de foresight têm que estar dentro de um cone de possibilidades”, explica Robilloti.
4. Plano de ação estratégica
“Uma vez que visualizou os futuros possíveis, chega o momento de definir a estratégia de construção desses futuros. O futuro depende da ação e para cada cenário constrói-se um plano estratégico. Isso melhora muito a capacidade decisória da empresa”, afirma Robilloti.
Quem são os profissionais dessa área
Quem trabalha com foresight tem perfil dinâmico, antenado, polivalente e versátil. É daquelas pessoas que estuda, analisa e documenta tendências para desenhar planos e estratégias de ação. Gosta de cenários incertos e disruptivos, pois eles inspiram à construção de várias possibilidades, incluindo antecipar o futuro ou retardar um futuro indesejado.
Por ser uma formação específica, os profissionais de foresight costumavam estudar no exterior, mas o primeiro curso de foresight do Brasil foi criado pela ESPM em 2023. Os alunos da turma inaugural são das mais variadas profissões, como sociólogos, historiadores, jornalistas, publicitários, advogados, nutricionistas, engenheiros e até servidores públicos de ministérios da União.